Aluísio Azevedo foi o principal autor da vertente naturalista no Brasil e o primeiro escritor a viver de literatura no país. Exímio retratista de tipos sociais, escreveu inúmeras obras, entre romances, contos, crônicas e peças teatrais, além de ter sido desenhista e caricaturista. 26672n
Sua produção literária concentra-se entre os anos de 1882 e 1895, aproximadamente, com destaque para o célebre romance O cortiço, leitura obrigatória para ingresso em diversas universidades brasileiras, bem como para a compreensão das estruturas sociais cariocas, no final do século XIX, pautadas na exploração econômica e na perpetuação das desigualdades.
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Nascido em São Luís do Maranhão (MA), em 14 de abril de 1857, Aluísio Azevedo era filho de D. Emília Amália Pinto de Magalhães e do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo.
Demonstrou, desde muito jovem, grande interesse por desenho e pintura, o que o levou a mudar-se para o Rio de Janeiro em 1876, a fim de matricular-se na Imperial Academia de Belas Artes. Para manter-se na capital, desenhava caricaturas para os jornais O Fígaro, A Semana Ilustrada, O Mequetrefe, e Zig-Zag. Também rascunhava cenas de romances.
Morto seu pai em 1878, retorna a São Luís, onde dá início à sua carreira de escritor no ano seguinte, com o romance Uma lágrima de mulher, ainda aos moldes da estética romântica. Trabalha também para a fundação do jornal O Pensador, publicação anticlerical e abolicionista.
Em 1881, lança seu primeiro romance naturalista, O mulato, abordando o assunto do preconceito racial. Bem recebido na corte, apesar da temática da obra ter sido considerada escandalosa, Aluísio embarca de volta para o Rio de Janeiro, decidido a ganhar a vida como escritor.
De volta à capital do Império, produz diversos folhetins, que garantiam sua sobrevivência. Nos intervalos dessas publicações, geralmente melodramáticas e românticas, dedicava-se à pesquisa e à escrita naturalista, que o consagrou como grande autor brasileiro. Foi nessa época que lançou suas principais obras, Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890).
Aprovado em concurso para o cargo de cônsul em 1895, abandona a carreira literária. Reside na Espanha, no Japão, na Inglaterra, na Itália, na França, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina, onde falece, em Buenos Aires, em 21 de janeiro de 1913.
A obra de Aluísio Azevedo é dividida em dois momentos: o primeiro ainda segue a fórmula dos melodramas românticos — embora a estética já se encontrasse em franca decadência, eram textos em forma de folhetim que arrebatavam muitas vendas, possibilitando que o autor se sustentasse apenas com a literatura, caso raro no Brasil. O segundo momento refere-se às obras escritas à luz da estética naturalista — e foram esses trabalhos que renderam ao autor grande destaque no cânone nacional.
Azevedo reverbera em sua obra naturalista a influência das ideias deterministas de Hippolyte Taine, que entendia que a compreensão do ser humano e da história pautava-se em três alicerces, a saber, o meio, a raça e o momento histórico. É com base nesse arsenal teórico que Azevedo constrói a trama de seus romances naturalistas, como em O cortiço — o meio (o próprio cortiço) condiciona o grupo (a raça), determinando as relações humanas no interior da habitação coletiva.
Também era grande irador do positivismo, doutrina de pensamento disseminada por Auguste Comte, que, entre outras características, defendia o cientificismo, de modo que Azevedo entende o ser humano como objeto de estudo científico. Para escrever o já citado O cortiço, o autor visitou diversas dessas instalações no Rio de Janeiro, observando atentamente as relações, costumes e diálogos do cotidiano de seus habitantes.
Foi também influenciado por Émile Zola, o precursor do naturalismo francês, colocando em prática a ideia de uma literatura que fosse além da observação: o autor a a ser um experimentador, trabalhando com os fatos sociais e buscando comprovar a influência do meio e dos fatos sobre o desenvolvimento humano. Além de Zola, o autor inspirou-se em Eça de Queirós, principalmente para a descrição minuciosa dos ambientes urbanos e de suas personagens.
Azevedo escreveu crônicas e peças teatrais, mas de sua obra destacam-se os romances em prosa, principalmente O mulato (1881), considerado o primeiro romance naturalista brasileiro; Casa de pensão (1884) e O cortiço (1890). São recorrentes em sua literatura as seguintes características:
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O mulato é a estreia do naturalismo na literatura brasileira. O enredo é protagonizado por Raimundo, filho de pai branco e mãe escravizada, o qual cresceu com instrução intelectual e posses, estudando Direito em Portugal. O narrador onisciente dá a descrição da personagem:
“Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo, se não fossem os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo; nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica da sua fisionomia eram os olhos: grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; as sobrancelhas, muito desenhadas no rosto, como a nanquim, fazia sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar de barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.”
Ao retornar, não entende por que não é aceito na alta sociedade maranhense, principalmente depois de pretender a mão de sua prima, Ana. A família e membros da Igreja católica opõem-se veementemente à união do casal.
“[...] reparava despeitado que, sempre e por toda a parte, o recebiam constrangidos. Não lhe chegava as mãos um só convite para baile ou simples sarau; cortavam muita vez a conversação quando ele aproximava; tinham escrúpulo em falar na sua presença de assuntos, aliás, inocentes e comuns; enfim isolam-no e o infeliz, convencido de que era gratuitamente antipatizado por toda a província, sepultou-se no seu quarto e só saia para fazer exercício, ir a uma reunião pública, ou então quando algum dos seus negócios o chamavam à rua.”
A intriga, portanto, consiste num melodrama romântico, mas as desditas do casal são tratadas já de uma outra maneira, diferente da escola do romantismo. O desejo do autor é provar a presença do preconceito racial na sociedade brasileira, em suas famílias e instituições, o que o faz, principalmente, por meio de descrições quase sempre grotescas.
Caricaturas mordazes do comerciante rico e grosseiro, da velha beata e raivosa, e do clérigo relaxado, segundo Alfredo Bosi, compõem o quadro das personagens. Trata-se de uma bandeira aberta contra o conservadorismo e a corrupção do clero, que corroíam a sociedade maranhense.
Casa de pensão foi o livro que consagrou Aluísio Azevedo na estética naturalista. Da realidade proveio a matéria-prima para o romance, protagonizado por Amâncio, estudante que vai para o Rio de Janeiro e hospeda-se em uma pensão. Reduto da boemia estudantil, a pensão é palco das mais diversas promiscuidades, patologias e comportamentos degradantes, cuja descrição é a consolidação dos procedimentos realistas-naturalistas de Azevedo:
“O quarto respirava todo um ar triste de desmazelo e boemia. Fazia má impressão estar ali: o vômito de Amâncio secava-se no chão, azedando a ambiente; a louça, que servira ao último jantar, ainda coberta de gordura coalhada, aparecia dentro de uma lata abominável, cheia de contusões e comida de ferrugem. ... Num dos cantos amontoava-se roupa suja; em outro repousava uma máquina de fazer café, ao lado de uma garrafa de espírito de vinho. Nas cabeceiras das três camas e ao comprido das paredes, sobre jornais velhos e desbotados, dependuravam-se calças e fraques de casimira: ... Por aqui e por ali pontas esmagadas de cigarro e cuspalhadas ressequidas.”
Envolve-se com Amélia, graças ao plano arquitetado pela mãe da moça, Madame Brizard, dona da pensão, interessada em tirar vantagem da fortuna do protagonista:
“É um achado precioso! Ainda não há dois meses que chegou do Norte, anda às apalpadelas! Estivemos a conversar por muito tempo: — é filho único e tem a herdar uma fortuna! Ah! Não imaginas: só pela morte da avó, que é muito velha, creio que a coisa vai para além de quatrocentos contos!”
A descrição de personagens moralmente degradadas, hostis, combinadas a um ambiente familiar vicioso, revela as hipocrisias enraizadas na sociedade brasileira. A mediocridade e a mentalidade burguesa, que valoriza o dinheiro em primeiro lugar, por isso não tem escrúpulos, são abordadas de maneira determinista — o meio influencia o desastroso destino das personagens.
O cortiço é o principal romance de Aluísio Azevedo, no qual o autor desenvolveu veementemente as premissas naturalistas. Com base no quadro — o espaço do cortiço —, desenvolvem-se as figuras. São as cenas coletivas dos tipos psicológicos de seus habitantes que tecem o cortiço como a principal personagem do romance.
Propriedade do português João Romão (imagem do europeu explorador, que enriquece à custa da miséria dos outros), consistia em 95 casinhas, pagas por mês, e tinas para lavadeiras, pagas por dia, tudo adiantado. As lavadeiras que ali morassem não pagavam pelas tinas. Assim esse local é descrito:
“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lamério, e multiplicar-se como larvas no esterco.”
Vê-se nitidamente, nessa e em outras agens, descrições que aproximam a vida social humana do animalesco, do orgânico, como que regida por leis fisiológicas, fazendo-se abundante uso de metáforas deformadoras do espaço e das personagens.
Esse apanhado vivo da habitação coletiva era também uma mistura de raças, todas exploradas pelo senhorio João Romão. Trata-se de uma alegoria da situação econômica do Brasil como um todo, onde brancos, negros e mestiços eram igualmente explorados pelo português ganhador de dinheiro, que ascende social e economicamente sugando o trabalho dos outros.
videoaula da análise literária de O cortiço
O sexo é um tema recorrente e também uma premissa naturalista. Animalizadas e hipersexualizadas, as personagens são desnudadas ao longo do romance, enfatizados seus desejos, vícios e fisiologia. A menstruação — um tabu para a época — é descrita como nunca na literatura brasileira. Cenas de adultério e de homossexualidade (à época, tida como patologia) também são abundantes, bem como a presença da prostituição e da figura da jovem virginal que acaba transformando-se em prostituta.
Veja um excerto em que o autor atribui condições animalescas à personagem Léonie:
“Agora, espolinhava-se toda, cerrando os dentes, fremindo-lhe a carne em crispações de espasmo; ao o que a outra, por cima, doida de luxúria, irracional, feroz, revoluteava, em corcovos de égua, bufando e relinchando. E metia-lhe a língua tesa pela boca e pelas orelhas, e esmagava-lhe os olhos debaixo dos seus beijos lubrificados de espuma, e mordia-lhe o lóbulo dos ombros, e agarrava-lhe convulsivamente o cabelo, como se quisesse arrancá-lo aos punhados. Até que, com um assomo mais forte, devorou-a num abraço de todo o corpo [...].”
Por Luiza Brandino
Professora de Literatura
Fonte: Brasil Escola - /literatura/aluisio-azevedo.htm